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O Presépio de Dona Estelinha Já vi muitos presépios, porém os mais perfeitos e que não esqueço, foram os de dona Estelinha de seu Jove. Saibam, o senhor e a senhora, que existiu uma vez Sinhá Estelinha, diversa de todas as outras pessoas, vivente num cantinho da fazenda do coronel Zé Maciel, em Belo Jardim, interior de Pernambuco, nordeste do Brasil. Como é de acontecer comum no interior, os nomes, de muito repetidos, se transformam em outros corrompidos e, no entanto, muitas vezes mais expressivos. Assim, Nhá Estelinha, ¾ no batismo e certidões inscrita e escrita Astéria Paz da Fonte ¾, se multiplicava na voz do povo em dona Astéia, dona Astréia ou Vó Estela. E mais dizia, ainda, o povo que Estelinha de seu Jovelino Olímpio tinha muita leitura, muita vida aprendida, a qual ensinava sem esforço algum. Aprendi com ela muita coisa sobre presépios e, mais ainda, sobre esse Mundo de meu Deus. É, portanto, ainda sob o efeito de larga e já antiga admiração que narro para os senhores como eram os presépios de minha Mestra, Nhá Estelinha. ![]() A primeira era a expressão extraordinária das imagens, quase todas moldadas por ela mesma. Gravaram-se especialmente em minha memória o semblante nobre, majestoso e cheio de paz da Virgem Maria, a firme receptividade do São José e o tamanho diminuto do Menino Jesus. A segunda era a exatíssima disposição das figurinhas: o burro sempre à esquerda do menino Jesusinho, o boi à direita, Nossa Senhora central por trás Dele e mais o posicionamento das outras figuras que pretendo relatar, explicar e justificar mais adiante. Lembro, ainda bem claro, quando Estelinha, a cada novo Natal, meticulosa armava o presépio com as figurinhas de barro feitas por ela mesma, perto do oratório, na salinha pequena de sua casa. Católica de estrita observância, minha sinhá Estelinha não perdia uma missa de domingo, e sua vida, diga-se, era constante oração. Afirmo-lhes isso convicto, eu que a vi sempre se persignar e dizer o ato de contrição antes de arrumar de modo muito preciso as peças do presépio em seus lugares. Se o senhor e a senhora quiserem continuar me seguindo, conto-lhes sobre as informações, os estudos, os raciocínios e as intuições que me conduziram a penetrar na sabedoria insinuada pelos presépios de Dona Astéria Paz da Fonte. Do apreendido orgulho-me, sem presunção. Espanto-me, no entanto, um tanto isolado da maioria, por penetrar num tipo de conhecimento que muitos teimam em diminuir ou negar. Não acreditam? Pois saibam que meu entusiasmo e maravilhamento com a representação do mistério da Encarnação nos presépios de Dona Estelinha, já foram taxados, muitas vezes, como sem fundamento por materialistas, agnósticos, incrédulos e por outros, para os quais o Natal se reduz a consumo e divertimento apenas. Mas, tenho certeza que tal coisa não acontece com o senhor e a senhora que, certamente, percebem os acenos do espírito na celebração do nascimento de Jesus e sabem que, para o verdadeiro cristão, o dia 25 de dezembro é data em que se rememora e comemora aquela noite milagrosa na qual o Verbo Divino, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade nasceu neste mundo depois de se fazer carne no ventre da Virgem Maria, por operação do Espírito Santo, tornando possível para cada indivíduo humano unir-se, dali em diante, com Verbo divino e ser divinizado pela Graça. Diz melhor Santo Atanásio, quando afirma que Cristo é consubstancial ao pai por sua divindade e consubstancial aos homens por sua humanidade. É lamentável que essa crença e esse modo de se expressar sejam considerados, por muita gente, como ultrapassados e fora de moda, hoje em dia. Na minha avaliação, aqueles que assim pensam é que ficaram para trás, ancorados na sua absoluta incapacidade para compreender o trabalho, de explicação das verdades reveladas, realizado por um Santo Tomás de Aquino, por um Santo Atanásio ou por um Santo Agostinho. É por essa e outras que, sem a compreensão intelectual do significado espiritual do Natal para iluminar o entendimento da devoção aos presépios, esta passou a ser carimbada como folclore e a ser vista como um produto espontâneo da massa popular. Como conseqüência não se compreende mais seu rico simbolismo. No entanto, mesmo incompreendida e degradada, a força simbólica dos presépios sobrevive ainda atraente, mágica e portadora de um poder de fascinação muito grande sobre as pessoas. Arrisco dizer, ao senhor e a senhora, que isso talvez aconteça porque os elementos do chamado folclore guardam sempre, de modo latente, o poder de ressurgir como meio de expressão para as influências de ordem intelectual que eles representaram de modo completo alguma vez no passado. O que pretendo dizer é que, de algum modo, continua a existir neles a sabedoria que antes ilustravam, apesar da manipulação sentimental e automática desses elementos. Eles podem ser vistos, então, como uma espécie de testemunho de antiga sabedoria, para aqueles que ainda podem compreender. Assim, a devoção ao presépio - entendido como sendo um grupo de imagens que representa a cena do nascimento e da adoração do Menino Jesus por Nossa Senhora, São José, os pastores e alguns animais na gruta de Belém - não é produto espontâneo da massa do povo. Muito pelo contrário, foi um indivíduo, reconhecido pela sua sabedoria intelectual e realização da doutrina cristã, chamado Francisco de Assis, que concebeu sua matéria e forma originalmente.
Como se pode ver, a devoção aos presépios se iniciou duplamente validada: pela aprovação temporal do representante de Cristo neste mundo e pela bênção espiritual do Menino Jesus. Talvez, essas coisas tenham acontecido assim porque tanto essa devoção quanto o mistério da Natividade (que ela simboliza), encerram também duplo aspecto: primeiramente, um macrocósmico: o nascimento do Verbo no Mundo; e, em segundo lugar, um outro microcósmico: o nascimento do Verbo dentro da alma do fiel. Ao se armar o presépio, ou ao meditar sobre sua mensagem simbólica, podemos nos colocar em qualquer um desses dois pontos de vista. Mas, seja qual for o aspecto considerado, a imagem do Menino no presépio deve ocupar sempre uma posição central, pois a característica mais importante da simbólica do centro é ser ele o lugar onde o divino se manifesta. Portanto, o Menino Deus nasceu tanto no centro do Mundo, representado pelo meio da gruta de Belém, como pode se manifestar no centro do coração do fiel (1). Sua imagem, como corretamente a moldava sinhá Estelinha, deve ser tão pequena quanto possível, para figurar o Reino dos Céus semelhante a um grão de mostarda (2). O Reino dos Céus, da mesma forma que a Casa de Deus, Beith-el, identifica-se naturalmente ao centro, isto é, ao que existe de mais interior (3). A imagem da Virgem Maria precisa, também, ocupar uma posição central, mas num segundo plano em relação a Jesus. Ela não deve, de modo algum, ser colocada numa posição simétrica à de São José, que não é o verdadeiro pai do Menino Deus. E, ainda, ao contrário da maioria das figurações ordinárias, sua expressão não necessita afetar uma atitude de oração ou de adoração humilde do mesmo tipo da dos outros personagens. Hierática, deve ostentar uma completa impassibilidade, capaz de simbolizar sua virgindade, sua imaculada concepção e sua perfeita receptividade ao Espírito Santo.Ela preenche a função de Virgo genitrix, o que justifica sua colocação em segundo plano atrás do Cristo, mas numa mesma situação axial, para indicar que ela é ao mesmo tempo a "Mãe de Deus" e a "Esposa do Espírito Santo". Tudo que acabamos de dizer vale também para o ponto de vista microcósmico, ou seja, aquele do nascimento do Verbo no coração do fiel. A Virgem representa, neste caso, a alma em estado de graça. Numa atitude passiva, a alma deve se identificar com Nossa Senhora através da realização das perfeições marianas, a fim de que o Verbo possa se encarnar nela, como se encarnou no seio virginal de Maria, Esposa do Espírito Santo; e, por outro lado, numa atitude ativa, a alma deve se identificar à Virgem Mãe. O primeiro caso se refere à Comunhão da alma ao receber Cristo; o segundo se reporta à Invocação do nome de Jesus ¾ a alma profere o Verbo do mesmo modo que a Virgem gera o Menino sob a ação do Espírito Santo, o gerador supremo. É neste ponto que entram São José, o boi e o jumento. Na Invocação, São José representa a presença invisível do Mestre Espiritual, (que, no fundo, é o Espírito Santo); o boi simboliza o "guardião do santuário interior", isto é, as qualidades de submissão, fidelidade, perseverança e concentração; o jumento, animal profano é o testemunho satânico na invocação, e figura o espírito de insubmissão e dissipação. Mas, tanto o boi quanto o burro são passíveis também de uma explicação macrocósmica, na qual eles representam respectivamente o mundo celeste da estabilidade e da paz e o mundo infernal do ódio e da ignorância. Por acaso, o senhor e a senhora ficaram perplexos com a presença do burro e de tudo que ele representa nos dois puríssimos nascimentos do Verbo: aquele no mundo e o outro na alma? Tranqüilizem-se, porque a explicação já foi dada claramente, e há muito tempo, por São Paulo, na Epístola aos Filipenses (II, 9-10), onde ele declara; "Por isso Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e nos infernos"; texto que se refere tanto à Invocação do nome de Jesus dentro da alma, quanto ao nascimento de Cristo no mundo. Por todas essas razões, a figura de São José no presépio deve ser colocada ao lado da Virgem, mas não no mesmo eixo dela e do Menino Deus, nem, muito menos, em simetria com eles. E, como ele simboliza o Mestre Invisível sua atitude e fisionomia devem parecer completamente receptivas, de modo a não oferecer obstáculos para a ação do Espírito Santo. Coloca-se o boi à direita do Menino Jesus e o burro à esquerda, no lado sinistro, num acordo perfeito entre o que eles simbolizam e o significado das direções do espaço. Percebo, no senhor e na senhora uma certa impaciência, pois nada disse ainda a respeito dos Reis Magos e dos pastores, por isso vamos a eles: os três Reis Magos representam, respectivamente, cada um deles, a autoridade sacerdotal e o poder real e sua síntese numa única função. O primeiro Rei simboliza o poder real; ele oferece ouro ao Cristo e o saúda como Rei. O segundo figura o poder sacerdotal; ele oferece incenso e o saúda como Sacerdote. Finalmente, o terceiro é a síntese dos dois anteriores, e representa um estado indiferenciado além da dualidade; ele oferece mirra (o bálsamo da incorruptibilidade) e saúda o Menino Jesus como Profeta, ou Mestre Espiritual por excelência. A função dos Reis Magos tem um caráter aristocrático que os distingue do povo, representado pelos pastores. Podemos colocar as imagens dos Três Reis em frente e próximos a Jesus, enquanto os pastores podem ser dispostos em semicírculo em torno deles, na entrada da caverna, junto com as ovelhas que representam o conjunto dos fiéis seguidores do Cristo. O teto que abriga a Criança não é de palha, pois afirma a tradição que o Messias nasceu numa caverna, uma verdadeira imago mundi, cuja parte superior representa a abóbada celeste. O teto da caverna se relaciona, também, com o simbolismo do domo situado coerentemente, nas igrejas, sobre o altar onde se realiza o mistério da eucaristia. Por fim, o nascimento do Verbo no mundo, ou o renascimento espiritual da alma, deve acontecer no escuro, e é por isso que ele se dá numa gruta, à meia-noite, no inverno e no solstício do Capricórnio. No presépio, portanto, a caverna deve ter uma forma hemisférica com interior sombrio, iluminado apenas pela estrela, símbolo da Luz divina e que pode ser colocada no alto da gruta. Por conseqüência, a manjedoura onde repousa o Jesusinho Bebê deve ter também uma forma hemisférica, complementária daquela da Gruta, pois elas simbolizam as duas metades o "Ovo do Mundo", onde se abriga Cristo, o gérmen da Vida Nova (4). Saiba o senhor que por um instante quase encerrei por aqui nossa conversa. Em grave falta correria se o fizesse, pois ficaríamos órfãos do essencial. Desculpem-me, mas tudo que antes afirmei, sobre cada um dos símbolos são apenas indícios secundários. Mesmo que cada imagem, enfocada isoladamente, esteja absolutamente correta em sua posição e na sua expressão, os elementos simbólicos usados no presépio só têm força e eficácia porque a estrutura da composição é simbólica no seu conjunto. E o que relaciona, ordena e estrutura tudo é o símbolo da forma cósmica, que contém implícito o da cruz, e é considerado universalmente como capaz de representar tanto a estrutura do Mundo como a do Homem. A existência dessa relação entre os símbolos particulares e a estrutura total é que marca do autêntico símbolo tradicional (5). Em suma, o presépio é, em essência, um cosmo em miniatura. Ele é, a um só tempo, o modelo ideal da situação criadora e da criação. E, porque o cosmo só pode ser entendido como obra divina, ele é sagrado no seu cerne desde antes de sua origem. Por extensão tudo que se parece, lembra ou se organiza como um cosmo é também sagrado. O pequeno espelha o grande. E, é dessa fonte que jorra o alumbramento, o pasmo e o encanto perene que os presépios produzem e que deixo aqui como oferenda de Natal para os senhores e para as senhoras, meus parceiros no amor às coisas do Espírito. Notas: (1) Existe uma relação direta entre essa doutrina e o nome Emanuel, aplicado ao Messias e traduzido como "Deus em nós". Cf. São Mateus I, 23: "Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho que se chamará Emanuel, que significa Deus em nós". (2) Cf. São Mateus XIII, 31-32: "O reino dos céus é comparável a um grão de mostarda que um homem toma e semeia em seu campo. É esta a menor de todas as sementes, mas quando cresce, torna-se um arbusto maior que todas as hortaliças, de sorte que os pássaros vêm aninhar-se em seus ramos". Dentro do mesmo espírito pode-se ler no Chândogya Upanishad o seguinte: "O Atmâ (o Espírito Divino), que reside no coração, é menor que um grão de mostarda, menor que um grão de milhete, menor do que o germe que está no grão de milhete; o Atmâ, que reside no coração, é também maior que a terra, maior que a atmosfera, maior que todos esses mundos juntos". Tudo isto indica claramente que o aparecimento da divindade e sua ação atuam no interior e por isso não dão na vista, que estão necessariamente voltadas para as coisas exteriores, como atesta São Lucas, XVII, 20-21: "O reino de Deus não virá de um modo ostensivo. Nem se dirá: Ei-lo aqui; ou, Ei-lo ali. Pois o Reino de Deus já está dentro de vós". (3) Essas conclusões se aplicam também à cidade de Belém. Para compreender melhor atente-se para os seguintes pontos: 1) diz-se, na tradição hebraica, que Beith-El, a Casa de Deus tornou-se Beith-Lehem, a casa do pão, a cidade em que Jesus nasceu; 2) observe-se a similitude fonética entre Beith-El e Beith-Lehem. (4) A propósito em Isaías IV, 4; Jeremias XXII, 5; e Zacarias II, 3 o termo gérmen é aplicado explicitamente ao Messias. Atentem para Zacarias VI, 12: "Assim fala o Senhor dos Exércitos: eis o homem cujo nome é Gérmen; alguma coisa vai germinar de sua linhagem. Ele é que reconstruirá o templo do Senhor...". (5) Quando não existe essa relação nem todos os símbolos esotéricos do mundo impedirão uma obra de sair da superficialidade grosseira e da imitação pretensiosa. Estão aí no mercado os diários dos magos, os montes cinco e as bridas que só confirmam tudo isso. |
terça-feira, 4 de outubro de 2011
ASTROLOGIA DO CÉU
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